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29/09/2011

Nas Asas dos Sonhos!



Vem!
- Sem cansaço e de pés descalços,
ouve o canto de despedida.
Abrindo estradas da alma enovelada
Desfolhe as roupas usadas,
Tal qual flor amanhecida...
Desvalida e sem sentido de existir.
Rasga as vestes inteiriças
nas bicas da chuva que espalha.
Lava a alma no corpo febril.
E nas curvas dos olhos brilhantes
Deixa alma verter a imagem
da natureza dos rosais...
E cobre de verde o manto,
E no céu galopante ouse renascer.
Beba o sopro.
Ouça o canto.
Louve o Divino.
Sobe as alturas.
Voe nas asas
que encanta o sonho.
Norma Villares
24.09.2011.

20/09/2011

Liberdade...



Soltei-me inteira nos versos,
adormeci nos braços de teu céu.
E o amor enrubesceu sensual.
Comemos juntos a flor,
e em cada pétala
eu vi o sonho azul.
Juras de verdade.
É amor cantante.
Liberdade!
Liberdade!
Liberdade!

Norma Villares
19.09.2011



15/09/2011

Chama... Aquece... Ama...



Eu vi os olhos das violetas brilhando,
e tocando teu rosto no lago límpido.
Segurei o brilho com minhas mãos
serenas e entreguei na areia quente,
dantes desertos, agora oásis de amor.
E o suor correu enchendo o lago...
Dessedentando a sede infinita...
Parei... Senti... Servi e... Bebi...
E meu peito arde e dói de amor...
passeia na ilha dourada da tua boca,
que ousa pousar em meus lábios.
E, no silêncio prenhe de muitos segredos
dirás num lépido sussurro em língua de febris.
Somos vastos no idílio delirante.
Na luz do fogo somos almas sinuosas amantes.
E no lago límpido e transparente dormimos...
Amando... Sorrindo ... Cativando e... Vertendo ...
Suores quentes no romance de amor.
Chama... Aquece... Ama e... Derrama...
Seu leite de virtude em meu colo,
Passeia com o eterno sorriso encantado.
Somos brilhos sonhadores, nos olhos das violetas
Acordando desnudos ventos prenhe de amor..



Norma Villares
14.09.2011.



10/09/2011

O Sucesso para um Grande Amor



Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!... E no entanto, elas são tão verdadeiras!

Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos.

O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrela­do», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia, e embora morto, perfumar-lhe-á a alma até à morte, num perfume de saudade que jamais o tempo levará!


No entanto, o casamento é brutal, como a posse é sempre brutal, sempre! O melhor beijo, o beijo mais doce, aquele que se não esquece nunca, é aquele que nunca se deu, disse-o um dia um poeta, e eu creio.

Só para as mulheres, as tais mulheres mais animais que espirituais, é que o casamento não é a desilusão de sempre, — mas então nós? Se ganhamos um grande amigo, o que nós sofremos muitas vezes! A revolta de tudo quanto há de delicado em nós, e que se ofende e se indigna com as afrontas que são afinal uma grande lei da Natureza!

E não há homem, por superior que seja, que com­preenda esta revolta e que a desculpe! Em tudo eu penso exactamente o mesmo que a minha querida Júlia; não há nada, tanto para os homens como para a mulher, que valha a liberdade tanto alma como de pensa­mento. É o casamento um grilhão de flores e risos?

De acor­do, mas é sempre um grilhão. Ria, pois, e cante com a sua bela alegria, ame doidamente alguém, mas nunca abdique nem uma só das suas graças, nem uma só das suas ideias que lhe fazem vincar a fronte às vezes com uma pequenina ruga de capricho e insolência, que fica tão bem às mulheres boni­tas; não ajoelhe nunca, porque está nisso o nosso grande mal, o nosso profundíssimo erro; nós invertemos muitas vezes os papéis, e em proveito deles, e depois as consequências são muitas vezes as paixões que devastam uma vida inteira por criaturas que se dignam dar, por último, como humilde mortalha, um olhar de compaixão!

O melhor de todos os homens não vale um fanatismo, creia-me, e embora a nossa alma, com essa ânsia de amor, de ternura que canta sempre em nós, se lhes dedique completamente, que eles o não sai­bam nunca, que não suspeitem sequer!... Abdicando um grau da nossa realeza, teremos de descer sempre, sempre, até ao fim. Não é verdade isto?


Florbela Espanca, in "Correspondência (1916)"
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